O que é este Blogue?

Quando se junta uma amálgama de palavras, um conto ou um poema podem sempre emergir. A sua divulgação fará que não morram esconsos numa escura e funda gaveta. Daí que às minhas palavras quero juntar as de outros que desejem participar. Os meus trabalhos estão publicados sob o pseudónimo: "Lobitino Almeida N'gola". Nas fotos e pinturas cliquem nos nomes e acedam às fontes.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Conto da vida real 1: "Bissau 1998 - a mulher abandonada"

Uma mulher bosquímano
(um povo africano em busca do respeito perdido)


Bissau, 1998 - a mulher abandonada*

Tenho sentimentos contraditórios relativamente à história que vou contar. Vacilo entre o pudor e a vaidade mas, como já perceberam, vou contar…
Por razões óbvias, vou alterar o nome da principal protagonista. Chamo-lhe Nininha…
Tinha vinte e poucos, talvez até menos, e uma barriga avantajada de 7 meses de gravidez. Tinha sido abandonada por todos. Primeiro, pelo marido português que fugiu da guerra, logo aos primeiros tiros, evacuado no “Ponta de Sagres”, um navio cargueiro que, debaixo de fogo, tirou alguns milhares de pessoas de Bissau. Depois, foi abandonada pelos vizinhos que não quiseram arriscar a fuga com o contrapeso de uma grávida que já não podia correr. Acabou por ficar quase só, na cidade deserta. No bairro onde morava, Chão de Papel, havia meia dúzia de casas habitadas. Alguns homens tinham ficado, para evitar pilhagens. Mas eram poucos.
Nininha descobriu-nos e passou a ser visita assídua. Comia da nossa comida, pagava com risos. De noite, ia para casa.
Ao fim de dois meses, abandonámos Bissau, rendidos por outra equipa de reportagem. Nunca mais soube dela. Ainda durante a guerra, voltei a Bissau mais três vezes, mas nunca mais a vi, ninguém soube dar notícias dela. Havia cada vez menos gente na cidade.
No final da guerra, a Marta Jorge (jornalista da RTP, sedeada em Bissau) contou-me o resto da história…
Andava ela em reportagem, retratando a difícil situação dos habitantes de Bissau que tinham ficado sem morada, porque as suas casas tinham sido destruídas, quando encontrou uma negra jovem que vivia na rua com um filho bebé. O miúdo era muito claro, quase branco. A mulher contou que tinha ficado sem casa, queimada por um obus que lhe rebentou com o telhado. A repórter perguntou-lhe, depois, pelo pai da criança. Respondeu que era um português que tinha fugido. A repórter perguntou, então, como se chamava o bebé. Ela respondeu… "Carlos Narciso". A Marta teve um arrepio. Passou-lhe pela cabeça que eu seria o pai do miúdo… mas, logo de seguida, a mulher disse-lhe que, quando o bebé tinha nascido, lhe tinha dado o nome da única pessoa que a tinha ajudado durante aquele período.
Gosto desta história, até porque não termina aqui.
Mais tarde, Nininha conheceu um médico francês, voluntário dos Médecins Sans Frontiéres. Apaixonaram-se. Nininha vive, hoje, em Bordéus, com o marido e o filho.
Espero que seja feliz.


*Carlos Narciso*
*(jornalista, retirado
daqui, com a devida vénia e autorização do autor)

1 comentário:

CN disse...

obrigado pelo "qualitativo", Marujo.
N`Gola, gostei de ler...
Um abraço