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Quando se junta uma amálgama de palavras, um conto ou um poema podem sempre emergir. A sua divulgação fará que não morram esconsos numa escura e funda gaveta. Daí que às minhas palavras quero juntar as de outros que desejem participar. Os meus trabalhos estão publicados sob o pseudónimo: "Lobitino Almeida N'gola". Nas fotos e pinturas cliquem nos nomes e acedam às fontes.

sábado, abril 25, 2009

Foi há 35 anos!

(paquete Infante D. Henrique)

Foi há 35 anos!*

Há 35 anos convivia num grande ndongo ondulante,
o mar de São Tomé tornava a vista realçada
a rádio BBC convertia-se na voz da revelação
o Retorno mostrava a coibida saciada ambição.
Em Portugal menos de um ano estive;
transviado,
descontente,
desarvorado
e desambientado
xingando vivia.
Menor, aos progenitores obedecia
sempre com a alma algures perdida
nas cálidas paisagens flutuando
lá longe onde sol mais supliciava,
pois sabia que era lá que o meu desígnio estava.

A 19 de Abril, o Tejo o navio viu abalar,
as imbambas no bojo flutuante folgavam;
eu, e outros eus como tais,
detínhamo-nos
ora na coberta,
ora na escotilha,
quais vigias, quais,
o horizonte sondando
quais akongos alertas
o quadrado mais amado de África.
Mas há 35 anos Portugal reformava
e cravos rubros negras armas silenciavam;
tingidos do sangue espargido
abriam o caminho da Liberdade.

Na linha que o Ilhéu das Rolas corta,
o grande ndongo pifou,
assim o grande fumu o verbalizava;
mas o problema era só um
será que continuava
ou a Lisboa o barco voltava?
Na altura, como hoje,
a São Tomé o batel não aportava;
e nas cálidas águas equatorianas
o navio vogou, vogou, vogou
e só três dias depois a Luanda rumou.

A 1 de Maio a bela Kianda
destapada da noite emergia
brilhando numa omere tchitekateka radiosa;
a baía muxiluanda abraçava-nos,
alegremente saudava-nos.
O reprimido desejo de vários meses
transbordava em prazenteiros bramidos,
tuembi ni tuakini;
não estava ainda na minha cidade,
na cidade dos flamingos,
mas estava, enfim, na minha Angola.
O Infante D. Henrique para trás deixei
novo rumo procurava,
o fim da guerra se adivinhava,
um País grande e fraterno poderia emergir;
mas quis o destino, 35 anos depois,
esta curta mukanda escrever
onde tudo se despoletou.
E o Tejo muanza, calmo,
estranhamente calmo,
o segundo retorno espera que realize;
quem sabe, quem sabe,
se sapientemente
com o pescoço espetado qual onduli
tudo não voltará acontecer
como há 35 anos,
num dikamba Maio africano …

Glossário:
ndongo (Kimbundo): canoa de madeira;
imbambas (Mbundo): mercadorias, tralhas:
akongos (Kikongo): caçadores;
fumu (Kimbundo): senhor;
Kianda: Luanda;
omere tchitekateka (Umbundo): ao nascer do dia; aurora; amanhecer;
muxiluanda (Kimbundo): natural da ilha de Luanda;
tuembi ni tuakini (Kimbundo): cantando e dançando;
mukanda (Kimbundo): carta;
muanza (Kimbundo): rio;
onduli (Umbundo): girafa;
dikamba (Kimbundo): amigo.


*Lobitino Almeida N'gola
Lisboa, 24 de Abril de 2009

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